No último ano, a trajetória do dólar foi uma grande aventura: a variação cambial desde janeiro de 2024 foi de aproximadamente 25,8%. Em 12 de janeiro de 2024, por exemplo, o dólar chegou a atingir R$ 4,83, muito abaixo do valor registrado em 18 de dezembro de 2024, de R$ 6,31.
Nos contratos administrativos, uma alta cambial como essa pode pressionar margens de lucro e inviabilizar a execução, especialmente quando há custos em moeda estrangeira, de modo que, se há risco de a variação impactar a execução de contratos públicos, o reequilíbrio econômico é uma das ferramentas possíveis.
Previsto no art. 124 da Lei de Licitações, o reequilíbrio econômico-financeiro é uma forma de ajustar contratos quando eventos extraordinários, como força maior, caso fortuito ou mudanças imprevisíveis, tornam impossível cumprir as condições originalmente acordadas. Tudo isso deve respeitar a alocação de riscos prevista no contrato.
Para que a variação cambial justifique o reequilíbrio econômico-financeiro, portanto, ela deverá impedir ou onerar excessivamente a execução contratual e, ao mesmo tempo, ser considerada evento imprevisível e extraordinário.
Variações cambiais e reequilíbrio: o que decidiu o STJ
Em duas vezes o Superior Tribunal de Justiça enfrentou casos que tratavam da matéria. E decidiu de modo diverso em cada uma delas. Embora isso soe estranho, a diferença das conclusões pode ser bem compreendida.
No caso mais recente (AgInt no REsp 2.161.709/PR), julgado em novembro de 2024, o STJ entendeu que o aumento do custo de insumos asfálticos estava dentro da álea econômica ordinária e negou o reequilíbrio ao contratado. Embora não tenha tratado precisamente da variação cambial, o Tribunal entendeu expressamente que, em caso de variação cambial significativa e inesperada, a repactuação é viável, desde que constatada a oneração excessiva, o que não teria ocorrido naquele caso.
No segundo caso (REsp 1.433.434/DF), julgado em 2018, o STJ analisou um caso de desvalorização cambial abrupta, e identificou que ele foi um evento extraordinário, a ponto de justificar o reequilíbrio com base na teoria da imprevisão. Em síntese, a mudança na política cambial brasileira em janeiro de 1999 desvalorizou significativa e inesperadamente o real, de modo que impactou diretamente nos custos contratuais, tornando muito difícil a preservação das condições contratuais.
Nesse segundo caso, o contratado deveria fornecer helicópteros, com preço fixado em moeda nacional (real). O contrato foi assinado em 1998, quando a taxa de câmbio projetada era de R$1,19 para cada dólar. Os helicópteros foram adquiridos de fornecedor estrangeiro, em dólar. Em janeiro de 1999, o Banco Central alterou o sistema de bandas cambiais para o de livre flutuação do dólar: se, antes, o Banco Central controlava o valor do dólar, a partir de um intervalo fixo (“banda”) pré-definido, com a alteração o mercado passou a determinar livremente o valor do dólar. Foi assim que a taxa cambial subiu para R$ 2,1070, quase dobrando os custos para aquisição das aeronaves. Esse aumento abrupto e substancial foi entendido como imprevisível e excessivamente oneroso, permitindo a aplicação do reequilíbrio.
Fica claro, portanto, que o reequilíbrio econômico-financeiro não é automático, e que a variação cambial, por si só, é insuficiente para determinar a aplicação dele. O seu impacto deve ser demonstrado e comprovado, sobretudo quando os custos contratuais dependem diretamente da taxa cambial.
Instrumentos de prevenção contra a variação cambial
A nova Lei de Licitações manteve a previsão do reequilíbrio contratual, vinculando-o à necessidade de se observar a matriz de risco, a qual certamente comporta o risco de ao menos alguma variação cambial a cargo do contratado. Nesse caso, naturalmente, o contratado assumirá esse risco, a não ser que a própria repartição objetiva dos riscos defina um limite da variação cambial – por exemplo, uma variação cambial de até 20%, a contar da assinatura contratual.
Essas duas ocasiões – o reequilíbrio e a repartição objetiva dos riscos contratuais – são verificadas ao longo da execução contratual.
A pergunta que todos costumam se fazer, considerados esses pressupostos, é: como uma empresa contratada pela Administração pode prevenir-se de uma alta variação cambial?
Sobretudo quando a variação cambial for um risco atribuído ao contratado ou sequer alocar esse risco, e se tratar de cenário de instabilidade econômica, há instrumentos financeiros à disposição do contratado que permitem reduzir os riscos cambiais. Por exemplo, contratos de hedge cambial (swap, futuros, opções) e contratos a termo (forward).
Esses instrumentos funcionam como ferramentas para “travar” o valor do dólar em uma taxa previamente definida, de modo que os custos contratados sejam blindados contra variações cambiais futuras. No caso dos swaps, por exemplo, o contratado faz um acordo para trocar as obrigações financeiras em reais por dólares a uma taxa fixa. Já os contratos a termo, embora semelhantes, são personalizados e negociados diretamente entre as partes, ideais para situações específicas e datas futuras predefinidas.
Ignorado possível anacronismo, no caso dos helicópteros, analisado pelo STJ, a empresa poderia ter utilizado um contrato de hedge cambial do tipo swap para mitigar os impactos da desvalorização abrupta do real. Antes de adquirir as aeronaves, ela poderia ter fixado, nesse contrato, uma taxa de câmbio de R$ 1,20 por dólar, evitando o aumento inesperado dos custos quando o câmbio saltou para R$ 2,10. Independentemente da variação cambial, ela poderia se valer de um câmbio a R$1,20. Essa estratégia teria protegido o equilíbrio financeiro do contrato, independentemente da alta do dólar ou das mudanças na política cambial.
Em resumo, portanto, a variação cambial observada desde o início de 2024 desperta diferentes possibilidades.
Outra alternativa, mais conhecida e usada, é buscar o reequilíbrio econômico-financeiro mesmo, se a matriz de risco não prever ou prever insuficientemente o risco e os efeitos da variação cambial. Neste caso, é imprescindível demonstrar que os custos contratuais foram excessivamente onerados pela alta na taxa cambial, sob risco de a tentativa de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato terminar em frustração e prejuízo.
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