A substituição dos velhos impostos sobre o consumo pelo IVA brasileiro

No dia 08/11/2023, o Senado Federal aprovou a PEC nº 45/2019, que altera profundamente o sistema tributário brasileiro. O texto segue para apreciação e votação da Câmara dos Deputados. Após décadas de discussões e divergências, a expectativa é que a reforma tributária seja promulgada ainda neste ano. 

O Klein Portugal preparou uma série de artigos, que buscam desvendar os principais pontos da Reforma Tributária, fornecendo informações claras e simples para que todos possam compreender as mudanças que estão por vir.

Neste artigo inaugural, trataremos dos princípios fundamentais que norteiam a tão esperada reforma tributária. É o ponto de partida que nos permitirá compreender a essência por trás das mudanças, destacando os objetivos almejados. Explicaremos também quais tributos serão extintos e apresentaremos os novos tributos protagonistas que surgem. Prepare-se para explorar a lógica do tão aguardado IVA brasileiro.

Uma reforma tributária sobre o consumo

A Reforma Tributária que está tramitando no Congresso Nacional é, essencialmente, uma reestruturação dos tributos relacionados ao consumo. Esses tributos têm um impacto direto em todos os cidadãos, pois representam custos que, no final das contas, são incorporados aos produtos e serviços que consumimos diariamente.

Em um país marcado por uma complexa teia tributária, composta por diversas legislações e tributos dispersos, a proposta busca simplificar esse cenário, tornando-o mais acessível e compreensível, especialmente para os empresários. 

O principal objetivo da reforma é descomplexificar nosso sistema tributário, que há muito tempo é considerado um dos mais confusos e ineficientes do mundo. Para alcançar esse propósito, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) decidiu unificar cinco tributos indiretos – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – em três novos tributos:

  1. A Contribuição sobre bens e serviços (CBS),
  2. O Imposto sobre bens e serviços (IBS); 
  3. O Imposto Seletivo (IS).

A ideia central por trás da unificação é reduzir a burocracia e tornar o sistema tributário mais eficiente e amigável. 

Se anteriormente cada Estado ou Município tinha uma lei própria para o ICMS e o ISS, respectivamente, cada qual com suas particularidades e regramentos específicos, a proposta aprovada pelo Senado determina que o IBS e o CBS serão regulamentados pela mesma Lei Complementar. Isso potencialmente aumentará a segurança jurídica dos cidadãos. Um dos aspectos da segurança jurídica é, afinal, a compreensibilidade das leis: idealmente, a lei deve ser compreensível a todo cidadão. Ainda assim, as alíquotas de cada um dos tributos continuarão a ser definidas posteriormente pela legislação de cada um dos entes.

O IBS será um tributo de competência compartilhada entre Estados, Municípios e o Distrito Federal. Por sua vez, a CBS será de competência federal. Com a reforma, a base de cálculo tanto do IBS quanto do CBS será ampla, englobando bens materiais e imateriais, inclusive direitos. Assim, não teremos mais aquela dúvida, corriqueira no sistema atual, sobre se determinada atividade envolve um produto ou um serviço e, portanto, se é tributada com o ICMS ou com o ISS.

Por fim, buscou-se extinguir o princípio da origem, segundo o qual o imposto deve ser pago no local onde o produto é produzido, o que gerava uma competição prejudicial entre os estados (guerra fiscal). Vigerá a partir de agora o princípio do destino (isto é, como o próprio termo indica, o imposto deverá ser pago no local para o qual ele se destina). A medida visa a uma distribuição mais justa e eficiente dos recursos.

Já o Imposto Seletivo (IS) será um imposto federal que será cobrado apenas sobre determinados produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Por isso, ele é popularmente chamado de “o imposto do pecado”. O seu objetivo é desestimular o consumo desses produtos considerados nocivos.

A lógica do IVA brasileiro

A reforma adota o modelo do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), inspirado em práticas internacionais bem-sucedidas. No novo modelo preferiu-se um IVA dual: haverá um imposto de competência compartilhada entre Estados e Municípios – o IBS – e um tributo de competência federal, o CBS.

Os dois tributos incidirão sobre a mesma operação. Um exemplo concreto pode tornar a compreensão mais clara. Imaginemos uma operação envolvendo a comercialização de uma mercadoria de R$ 200,00, com origem em Curitiba/PR e destino em Florianópolis/SC, serão consideradas as alíquotas do IBS do estado de destino (Santa Catarina) e da cidade de destino (Florianópolis), seguindo a lógica acima explicada. O CBS, por sua vez, terá uma alíquota única, por ser de competência federal.

As alíquotas serão somadas, conforme ilustração abaixo:

Ressaltamos que as alíquotas utilizadas no exemplo são hipotéticas. Não se sabe ainda quais serão as alíquotas concretas e nem se a carga tributária aumentará ou diminuirá. Esse tema será melhor tratado em artigo futuro da série.

Como o novo IVA impacta o creditamento de tributos? 

A tributação sobre o consumo vai permanecer plurifásica, ocorrendo ao longo de toda a cadeia produtiva. Mas a reforma busca a chamada não cumulatividade plena, em contraste a nossa atual não cumulatividade, que é parcial. Sem juridiquês, isso significa que um dos objetivos declarados do novo sistema é o de afastar as hipóteses de incidência dupla de tributos sobre as várias etapas da cadeia produtiva. Isso deve se dar, na prática, mediante a previsão de hipóteses mais alargadas e regras mais transparentes de creditamento dos tributos que incidiram nessas etapas anteriores.

Hoje, como os empresários sabem, existem várias limitações para aproveitar créditos provenientes de etapas anteriores. Permanecem, em síntese, resíduos de cumulatividade. Por exemplo, no PIS/Cofins alguns insumos não podem ser creditados.

Contudo, sob a lógica do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), como o nome sugere, o tributo deve incidir apenas sobre o valor agregado (adicionado) em cada etapa da cadeia produtiva. Isso evita a bitributação (ou a incidência do tributo em cascata) e proporciona maior transparência ao consumidor final e produtos e serviços mais baratos.

Para isso seja concretizado é necessário que o direito ao crédito seja pleno e que ocorra a imediata restituição de eventual saldo credor gerado por um contribuinte na cadeia. Destacamos, no entanto, que não sabemos ainda se a não cumulatividade plena será mesmo operacionalizada em nosso sistema, apesar de este ser um dos objetivos da reforma tributária. Isso porque a mudança concreta dependerá do que for regulamentado na Lei Complementar que será discutida após a aprovação da PEC nº 45/2019.

Mesmo assim, há sinais de mudanças positivas no sentido da não cumulatividade plena, a exemplo da alteração da metodologia de cálculo dos tributos: o cálculo do tributo deixará de ser “por dentro” para ser “por fora”. A determinação é de que os tributos não sejam incluídos na própria base de cálculo.

Um exemplo: atualmente, o valor que consta na Nota Fiscal de um produto já traz em sua composição os próprios tributos a serem pagos por aquele fornecedor. Assim, o valor final do tributo a ser recolhido acaba superando o valor que seria obtido ao se aplicar apenas a alíquota nominal daquele mesmo tributo sobre o preço líquido (isto é, sem impostos) do produto ou serviço. Na prática, como o imposto incide sobre o próprio imposto já computado naquela operação, se um produto seria vendido por, digamos, R$200,00, com uma alíquota nominal de imposto de 10%, o seu preço final será de R$222,22 e não de R$220,00, como seria com uma mera inclusão nominal do tributo. O imposto acaba incidindo sobre si mesmo e, com isso, o produto fica mais caro, já que a incidência de cada tributo se dá em cascata. 4

Já num cálculo do imposto incidindo “por fora”, a alíquota é aplicada exclusivamente sobre o valor do produto ou serviço, excluindo-se o valor do imposto e, com isso, não afetando o montante total da operação. Nesse caso, não há incidência do imposto sobre ele próprio. Para ilustrar, pensemos na mesma situação acima descrita, mas agora com o novo método de cálculo: um produto com o preço de R$ 200,00 e uma alíquota de imposto de 10%. Utilizando o método “por fora”, o cálculo do imposto a pagar seria simples: R$ 200,00 * 10% resultando em R$ 20,00. O contribuinte não precisaria incluir no preço os tributos incidentes sobre a operação da qual ele participa. 

Dessa forma, o valor discriminado na nota fiscal poderá ser apropriado pelo próximo ente da cadeia, proporcionando uma maior transparência e eficiência ao sistema tributário. Essas mudanças representam um avanço significativo na busca por uma tributação mais justa, simplificada e alinhada com as necessidades da economia moderna.

Conclusão

Neste primeiro artigo, destacamos os princípios e objetivos da reforma tributária que foi aprovada pelo Senado Federal e explicamos a lógica do modelo de tributação que se pretende implementar, pautado no IVA. Os próximos artigos continuarão a jornada para a compreensão do futuro da tributação no Brasil, inclusive com as previsões sobre as novas alíquotas dos tributos cuja implementação já se conhece.

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