O Brasil, enfim, internalizou as conhecidas regras do Pilar 2 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo objetivo, em geral, consiste em estabelecer uma tributação mínima de multinacionais com operação no país.
Dentre as novas previsões, uma delas tem ocupado parte dos holofotes dos debates jurídicos, com predições de que haverá intensa judicialização a seu respeito: o assim chamado adicional da CSLL, incluído no direito brasileiro por meio da Lei nº 15.079/2024, publicada em 30 de dezembro do ano passado. Os questionamentos não se voltam à criação do referido adicional, mas ao período de início de sua vigência.
É que há norma constitucional que estabelece uma aplicação bastante específica da chamada anterioridade tributária, isto é, do lapso temporal mínimo até que um tributo instituído possa ser finalmente cobrado dos contribuintes, no caso de contribuições sociais: segundo a Constituição, elas “só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’” (art. 195, §6º, CF). Se a lei foi publicada em 30 de dezembro, isso significa que o novo tributo somente poderá ser cobrado 90 (noventa) dias depois dessa data, em abril de 2025. Um raciocínio simples, baseado em simples aritmética, certo?
Não necessariamente, segundo o possível entendimento da Receita Federal. É que a instituição da referida contribuição tem um passado que antecede a publicação da Lei 15.079/2024. Ela foi originalmente prevista pela MP 1262/2024, datada de 3 de outubro de 2024. MP tem força de lei, e posicionamentos oficiais do governo têm indicado que este tem entendido que, (i) como a MP é datada de outubro de 2024 e (ii) MP tem força de lei, os 90 dias exigidos pela anterioridade tributária se encerrariam em janeiro, não em abril. Logo, a contribuição já poderia ser cobrada neste mês. O raciocínio parece lógico, não?
Existe apenas um pequeno inconveniente: a Lei 15.079/2024, que instituiu o adicional de CSLL, é projeto autônomo elaborado pelo próprio Parlamento, e não um resultado da MP 1262/2024, como se esta tivesse sido convertida em lei. É aqui que tem residido a controvérsia.
Do lado do Fisco, tem se defendido que a anterioridade, em verdade, seria um princípio, sujeito a uma aplicação ponderável de acordo com as circunstâncias do caso concreto, aplicação esta fundada em um sentido própria, a de respeitar a segurança jurídica e, nesse sentido, o conhecimento com razoável antecedência, pelos contribuintes, de que seriam cobrados por esse tributo. Como, no caso, já em outubro de 2024, com a edição da MP, os contribuintes já teriam tomado conhecimento de que teriam de recolher o tributo, seria razoável que eles se programassem para começar a recolhê-lo em janeiro de 2025. A anterioridade, ao menos em sua função essencial, teria sido atendida.
Essa compreensão é equivocada.
Ao tratar a anterioridade como princípio, ela passa por cima de décadas de estudo da teoria da norma jurídica e da necessária distinção entre regras e princípios como normas com funções e características distintas na prática do direito. Normas que oferecem razões definitivas ao intérprete, como é o caso daquelas com a estrutura linguística similar à da norma “ninguém será submetido a tortura” (art. 5º, III, CF), têm a função de fechar a interpretação do julgador e promover segurança jurídica. São regras. Normas cujo texto oferece razões abertas, como “A administração pública (…) respeitará os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade (…)” (art. 37, CF), têm a função permitir ao Direito se adequar às alterações de uma sociedade complexa. São princípios. Ora, uma norma com a estrutura como a de que as contribuições “só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado” é, naturalmente, uma regra, não sujeita a esse tipo de ponderação e afastamento por parte do Poder Executivo, menos ainda para o fim de cobrar tributo constitucionalmente vedado. A lei que instituiu o adicional de CSLL só foi instituída em 30 de dezembro de 2024, de modo que é só em abril de 2025 que a contribuição pode ser cobrada.
Tratar regras como princípios para casuisticamente afastá-las por razões de conveniência política ou econômica é estratagema retórico comum do cotidiano judicial. Revela despreocupação com a teoria e a segurança jurídica por parte de quem o professa. Não é porque já aconteceu antes, que pode ser defendida neste caso. Se forem cobrados, cabe aos contribuintes procurar o Judiciário para combater essa grave e manifesta inconstitucionalidade.