É comum que os empreendedores tenham dúvidas sobre os direitos do cônjuge do sócio sobre a sociedade, especialmente em caso de divórcio. A resposta varia de acordo com o regime de bens do casamento ou da união estável, e de acordo com o momento da aquisição da participação societária pelo sócio.
O patrimônio comum do casal é definido pelo regime de bens do casamento ou da união estável. Havendo alteração do regime de bens da união estável ou do casamento na sua constância, o cuidado deve ser redobrado, pois pode impactar nos direitos sobre a sociedade, a depender do caso.
No regime de comunhão parcial de bens, apenas os bens adquiridos de forma onerosa durante a relação são compartilhados. Nesse cenário, se as quotas foram obtidas antes do casamento ou união estável, ou por meio de herança ou doação, não entram na partilha, ou seja, não integram o patrimônio comum. Em contrapartida, caso a sociedade tenha sido criada ou a participação societária tenha sido comprada na constância do relacionamento, o cônjuge ou companheiro não-sócio terá direito a 50% do seu valor econômico.
Na comunhão universal de bens, a situação é diferente, pois todos os bens se comunicam e formarão uma “massa patrimonial” comum. Logo, as quotas adquiridas em qualquer época são partilháveis em 50%. A exceção é a estipulação de cláusula de incomunicabilidade no pacto antenupcial.
Já na separação ‘total’ convencional de bens, os bens dos cônjuges não se comunicam, mesmo os adquiridos durante o casamento ou união estável. Dessa forma, o cônjuge não terá direito às quotas em caso de divórcio; por outro lado, poderá ser herdeiro delas, caso sobreviva ao sócio.
Quando as quotas sociais fazem parte do patrimônio comum, em caso de divórcio, e não havendo acordo, o cônjuge poderá ajuizar a ação de apuração dos haveres (artigo 600 do Código de Processo Civil) para identificar e receber o valor real e atual das quotas a serem partilhadas. Isso será realizado por meio de uma avaliação contábil do patrimônio líquido da empresa, seguida de um cálculo proporcional da participação do sócio nas quotas.
Desde a separação de fato (AgInt no AREsp n. 2.674.394/SP) e até que a ação judicial de apuração de haveres seja concluída, ou enquanto o cônjuge ou companheiro sócio não se retirar da empresa, o cônjuge ou companheiro não-sócio terá direito aos lucros da sociedade proporcionalmente à metade das quotas partilhadas (art. 1.027 do Código Civil). A depender do caso, é possível ajuizar ação de prestação de contas (REsp n. 1.924.501/SP), no que diz respeito à gestão dessas quotas e repasse de dividendos pelo cônjuge ou companheiro sócio.
Em outras palavras, ainda que as quotas integrem o patrimônio comum do casal, em regra, o cônjuge ou companheiro não-sócio não terá todos os direitos de sócio, mas apenas direito ao seu conteúdo patrimonial, o que inclui o seu valor e os respectivos dividendos. Logo, a sociedade pode manter o controle operacional normalmente, pois não há transferência de quotas. Isso acontece por causa do princípio empresarial affectio societatis (vontade expressa de constituir sociedade), segundo o qual o cônjuge ou companheiro não-sócio não pode ser obrigado a entrar na empresa, cujos sócios também não são obrigados a aceitar seu ingresso.
Dessa forma, reconhecido e declarado o direito a 50% das quotas sociais no Juízo de Família, o ex-cônjuge ou companheiro pode exigir da sociedade e do cônjuge ou companheiro sócio, em Juízo Cível, o valor patrimonial dessa participação societária. Também não haverá prejuízos devido à demora, visto que terá direito à divisão periódica dos lucros até a apuração dos haveres e o respectivo pagamento. Inclusive, se essa distribuição de dividendos for irregular, poderá ajuizar ação de prestação de contas.
Tendo em vista a complexidade, morosidade e custo dos procedimentos envolvidos, é recomendável a realização de acordo sobre o tema, considerando a dinâmica indicada. Paralelamente, é de suma importância que a empresa disponha sobre a apuração de haveres em contrato social e acordo de sócios, a fim de mitigar sua descapitalização em caso de divórcio do sócio.
É sempre importante que cada caso seja analisado considerando suas particularidades, já que há variantes que podem afetar de forma distinta cada empresa, a depender da redação de seus contratos sociais, da relação entre os sócios, e da liquidez do patrimônio.