O falecimento de um ente querido é um momento delicado para todas as famílias, as quais, ainda em luto, terão de empreender a realização de inventário (judicial ou extrajudicial) e partilha, para assegurar a devida organização do patrimônio deixado pelo falecido.
Esses procedimentos podem causar grande estresse, seja pelo contexto trágico, seja por discussões referentes ao que cabe a cada um dos herdeiros.
Para evitar que uma situação já marcada pela infelicidade gere uma série de desentendimentos, o auxílio de um profissional bem capacitado é essencial, a partir do desenvolvimento do planejamento sucessório mais adequado para cada situação, capaz inclusive de reduzir os custos da sucessão e os custos tributários.
Várias são as estratégias e alternativas disponíveis, como a constituição de holdings familiares e a contratação de previdências privadas abertas, ou a realização de atos de disposição em vida. Nessa última categoria se incluem os testamentos e as doações, a serem explorados neste artigo.
Testamentos: aspectos essenciais
O testamento pode ser definido como a expressão da vontade de uma pessoa a respeito da destinação de seus bens, após sua morte. Ele é documento que será aberto após o falecimento e que conterá a última vontade do de cujus (falecido), que deverá ser cumprida.
Apesar de não ser tão popularmente utilizado no Brasil, o testamento pode ser uma excelente ferramenta de planejamento sucessório. Ele é viável e vantajoso em muitos casos, especialmente considerando as facilidades de transmissão de bens que oferece, tal como a diminuição de disputas entre os herdeiros.
A elaboração de um testamento é uma ótima forma de se planificar a sucessão, permitindo: (1) prever a forma como o patrimônio será dividido e quem ficará com quais bens; (2) proteger o patrimônio por meio da previsão de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade; (3) impor condições, termos e encargos para os herdeiros cumprirem para acessarem a herança; (4) destinar a parte disponível de seu patrimônio – correspondente geralmente à metade de seu patrimônio – a quem desejar; (5) indicar responsável pela administração de patrimônio de filhos ainda menores; (6) indicar o testamenteiro.
Em resumo, há três tipos de testamento: o público, o particular e o fechado (cerrado), conforme dispõe o artigo 1.862 do Código Civil. Em todos os casos, é preciso que o documento esteja assinado pelo testador e por 02 (duas) testemunhas, que não podem ser algum dos beneficiados com o documento.
Além dos aspectos acima, a lei estabelece algumas restrições ao testamento, como:
- O testador não pode ser menor de 16 (dezesseis) anos;
- O testador deve possuir pleno discernimento durante a escrita do testamento, mesmo que venha a ter suas faculdades mentais deterioradas posteriormente;
- É proibida a realização de testamento “conjuntivo”, (entre marido e mulher, por exemplo), de forma que um garanta a herança do outro, ou ambos destinem suas heranças para um filho;
- Por fim, o testamento deve respeitar a “legítima”, parcela da herança que é intocável. É preciso esclarecer que o patrimônio deixado pelo falecido possui duas metades: a primeira metade é chamada de parte disponível, que pode ser distribuída livremente, inclusive para pessoas que não são parentes; já a outra metade, a indisponível, pertence de pleno direito aos herdeiros necessários, sejam eles ascendentes, descendentes, ou o cônjuge sobrevivente (artigo 1.846 do Código Civil).
Essa parte indisponível é também chamada de legítima: ela deve ser respeitada em todas as circunstâncias, mas não é afetada caso a um mesmo herdeiro também sejam assegurados bens ou valores da parte disponível (artigo 1.849 do Código Civil)
- É proibida toda e qualquer diminuição da legítima, caso o testador tenha herdeiros necessários.
Testamento público
Para que essa modalidade testamentária seja válida, é preciso que o testador leve o testamento redigido para um cartório com o intuito de o registrar. Assim, o tabelião, ao receber o documento, deverá lê-lo em voz alta para o testador e as duas testemunhas, e, após, colher suas assinaturas (artigo 1.864 do CC).
Após o registro no livro de notas, o testamento é arquivado no acervo do Cartório, e sua abertura se dará mediante intervenção judicial, após pedido de algum dos interessados na herança ou, se for o caso, o Ministério Público (artigo 736 do Código de Processo Civil). Nesse momento, é necessário que seja apresentada a certidão de óbito do testador.
Apesar de o testamento ter formato público, ele não estará disponível para acesso de qualquer pessoa. Nem mesmo os herdeiros poderão acessá-lo antes do falecimento do testador, havendo certa garantia de privacidade.
Testamento particular
Neste caso, não é necessário que o testador leve o documento ao cartório. No entanto, o número de testemunhas necessárias na escrita do testamento é maior: são três, e não apenas duas. Assim, não basta que haja duas assinaturas, mas no mínimo três, para que o documento seja válido.
Como não há a leitura do testamento pelo tabelião do Cartório, sua participação somente certificará a autenticidade das assinaturas do testador e das testemunhas. Logo, esta forma de testamento é válida se atendidos todos os seus requisitos, apenas não se equipara ao testamento público porque o documento (i) não ficará guardado em cartório; e (ii) não será dotado de fé pública, exceto a legitimidade das assinaturas dos participantes.
Após a morte do testador, é preciso que o testamento seja apresentado ao juiz. Então, serão avaliadas eventuais ilegalidades, e, caso tudo esteja certo, será realizada a leitura, nos termos que a pessoa falecida estabeleceu, tal como nos outros casos.
Testamento cerrado
Este é o modelo testamentário menos comum, mas previsto no Código Civil entre os artigos 1.868 e 1.875. No testamento cerrado, apenas o testador conhecerá aquilo que escreveu. Ou seja, ninguém além do falecido saberá seu conteúdo, até que seja realizada a sua leitura após sua morte.
Este processo, apesar de resguardar de maneira mais segura o sigilo da vontade do testador, pode guardar eventuais nulidades e problemas que só serão conhecidos no momento da partilha. Dessa maneira, recomenda-se que, caso seja do interesse do cliente realizar esse tipo de procedimento, consulte os serviços do Klein Portugal para dirimir eventuais dúvidas.
“Testamento vital” – particularidades e possibilidades no cenário atual
Apesar de não ser uma espécie legalmente prevista de testamento, este tipo de documento ganhou relevância nos últimos anos ao redor do mundo. Em resumo, o testamento vital consiste em uma expressão da vontade do sujeito a respeito dos procedimentos a serem adotados caso venha a se encontrar em estado terminal, por exemplo.
Também chamado de DAV (Diretiva Antecipada de Vontade), o testamento vital não possui regulação explícita em lei, tal como ocorre com os modelos de testamento acima. Há, contudo, a Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que prescreve o cumprimento da DAV aos médicos, quando o paciente estiver sem condições de expressar sua vontade.
Vale ressaltar que para a DAV ser cumprida, ela deve (i) estar de acordo com o Código de Ética dos Médicos; e (ii) obedecer às condições legais de validade dos documentos jurídicos (ex: o testador deve estar plenamente consciente quando redigi-lo). Caso ambos os requisitos estejam preenchidos, ninguém – nem mesmo o médico – pode contrariar os termos da DAV.
Do mesmo modo, o enunciado de nº 528 das Jornadas de Direito Civil, evento que reúne diversos juristas do Direito Brasileiro, estabelece o seguinte:
É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado “testamento vital”, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.
Em razão de não haver previsão explícita em lei, a DAV pode ser expressa tanto por um documento comum, com a assinatura do testador autenticada, como também ser levada a registro público, o que lhe confere maior segurança. De qualquer forma, é recomendado que este documento tenha forma escrita, para que a vontade do testador seja documentada e resguardada com o decorrer do tempo.
Doação: aspectos essenciais
A doação representa uma possibilidade de se realizar a partilha de bens antes do falecimento do seu titular, seja por adiantamento da legítima, seja pela distribuição do patrimônio disponível.
Rememore-se, contudo, que qualquer violação à legítima é parcialmente nula na medida do valor que excedeu a parte disponível de seu patrimônio. A correção dessa irregularidade se dá no momento da colação, cuja finalidade é igualar as legítimas dos descendentes e cônjuge sobrevivente (artigo 2003 do Código Civil).
Também é possível que seja feita a doação com reserva de usufruto vitalício, que permite ao doador continuar utilizando o bem, enquanto a propriedade do objeto doado pertencerá ao donatário. Eventualmente, com o falecimento do doador, o uso também será do donatário. Nesta modalidade, é essencial que o direito ao usufruto seja bem regulado, para evitar conflitos familiares. Por exemplo, é essencial que quando a reserva de usufruto é feita em nome do casal, que se disponha sobre o “direito de acrescer”, para que não seja necessário inventariar o direito de usufruto quando apenas um dos cônjuges permanecer vivo.
A doação pode ter várias vantagens, se comparada a outras estratégias de planejamento sucessório. A descoberta de um novo herdeiro, por exemplo, que normalmente invalidaria outras formas de partilha em vida, pode não surtir qualquer impacto na doação, que, por sua vez, não exige a anuência de todos os herdeiros para ser válida e eficaz.
Benefícios tributários envolvendo a doação
ITCMD
A doação também pode promover relevantes economias tributárias. Como os bens são transmitidos por seu valor atual, evita-se a sua valorização até o momento do falecimento do doador. Assim, o imposto incidirá sobre uma base de cálculo inferior. Além disso, a transmissão será tributada com a alíquota atual do ITCMD (Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações), evitando-se os aumentos do imposto no futuro.
Com a reforma tributária, a expectativa é que haja o aumento das alíquotas do ITCMD em vários Estados, seja para compensar a esperada perda de arrecadação desses entes, seja para se adequar às alterações promovidas pela reforma em âmbito federal, como a obrigatoriedade da adoção da progressividade das alíquotas. No Paraná, por exemplo, a alíquota atualmente é fixa de 4% no estado do Paraná, o que exigirá mudanças em um futuro próximo, já tendo-se notícia de projetos de lei nesse sentido.
É preciso estar atento às especificidades de cada unidade federativa, pois o ITCMD não é definido em escala federal, mas estadual. No caso do Paraná e de São Paulo, por exemplo, ambas as alíquotas atualmente são iguais, o que pode influenciar na escolha desse tipo de operação econômica.
Para saber qual o Estado competente para cobrar o imposto, é fundamental que as partes envolvidas saibam qual será a natureza dos bens, ou seja, se serão móveis ou imóveis. De acordo com a Constituição Federal, os bens imóveis serão tributados de acordo com o Estado em que se encontrarem, e os bens móveis, no domicílio do doador (Constituição Federal, artigo 5º, incisos I e II).
Por fim, cabe ressaltar algumas breves hipóteses de isenção com relação a este tributo, se forem doações de valor baixo em moeda corrente, por exemplo, a depender do estado.
Apesar da explicação acima, é preciso ter cautela: após a aprovação da Reforma Tributária, instituída pela Emenda à Constituição n° 132/2023, o ITCMD sofrerá grandes mudanças. Isso poderá trazer novos pontos de atenção na escolha da doação, conforme veremos adiante.
IR (Imposto de Renda)
As operações envolvendo doações estão isentas do Imposto de Renda, conforme artigo 6°, inciso XVI da Lei n° 7.713/1988, que regulamenta esse tributo. É preciso, contudo, que a doação seja devidamente declarada à Receita Federal, a fim de evitar que os ganhos não sejam encarados pela Fazenda como aumento irregular de renda.
O Imposto de Renda é cobrado anualmente por homologação, ou seja, cada pessoa ou empresa declara os seus rendimentos, e as autoridades realizam a cobrança sobre os documentos apresentados pelo contribuinte. Dessa maneira, a Receita Federal realiza a conferência da evolução patrimonial ao longo dos anos.
Em decisão recente do Supremo Tribunal Federal, decidiu-se que não pode haver a cobrança de Imposto de Renda em doações que se refiram a adiantamento de herança, no caso, de pais para filhos, em Recurso Extraordinário (RE) n° 1.439.539.
Apesar de ser uma decisão que beneficia os contribuintes, a decisão do STF ainda não foi publicada, e não representa posicionamento unânime do Tribunal com relação a isso. “Apesar dos pesares”, por outro lado, este julgamento pode indicar uma mudança do posicionamento do STF sobre o tema.
Redução de burocracias atreladas ao inventário
Além dessas vantagens econômicas, a doação possui o potencial de reduzir os custos administrativos do inventário. A possibilidade de se fazer uma transmissão patrimonial gradativa por meio da doação também pode ser uma vantagem. Isso viabiliza que despesas com impostos e procedimentos administrativos ou judiciais sejam quitados aos poucos, algo inviável em um inventário, quando todos os custos devem ser acertados de uma vez.
Para que não haja problemas quando ocorrer a partilha dos bens após o falecimento do doador, é fundamental que ela não ultrapasse o valor correspondente a 50% do patrimônio do doador quando ele tem herdeiros, pois esta metade é destinada, obrigatoriamente, aos familiares diretos do sujeito (filhos, cônjuges, pais etc.). A essa porcentagem se dá o nome de legítima, que é protegida por lei. Outras pessoas (amigos, conhecidos, familiares distantes) podem ser beneficiárias de, no máximo, a os 50% restantes do patrimônio do doador.
Cabe ao doador definir, de forma expressa, que a doação respeita a porcentagem da “legítima”, e dispensar a colação dos bens, quando falecer, deixando expresso, se for o caso, que ela é proveniente da parte disponível da herança, e não está sendo feita como antecipação da legítima. Se isso não estiver claro, o valor da doação pode depois ser descontado da herança legítima do herdeiro necessário que a recebeu.
Assim, em resumo, as principais vantagens da doação em um planejamento sucessório são:
- Controle e Uso Continuado dos Bens: A doação com reserva de usufruto permite ao doador manter o uso do bem durante a vida, transferindo a propriedade apenas após o falecimento. Entretanto, o usufruto deve ser bem regulado juridicamente, para evitar problemas.
- Flexibilidade Legal: A doação é menos suscetível a descobertas de novos herdeiros, ao contrário de outros métodos de partilha.
- Economia: Com a doação, gastos com a partilha tradicional são evitados, pois os bens já teriam sido previamente distribuídos.
- Planejamento Fiscal: Permite uma transmissão patrimonial gradativa, otimizando o impacto fiscal e os custos administrativos.
Logo, percebe-se que a doação é um importante instrumento para assegurar um planejamento sucessório bem-sucedido, evitando conflitos no momento da partilha.
Porém, é indispensável o auxílio de um profissional especializado, tanto para a realização desse procedimento da forma que melhor se adequar à realidade familiar, quanto para prevenir complicações que uma análise leiga não seria capaz de antever. Só este profissional poderá adaptar a doação à realidade de cada família.
Klein Portugal conta com profissionais especializados em planejamento sucessório. Entre em contato para uma orientação especializada.
Perguntas Frequentes (FAQ)
O que é planejamento sucessório e por que é importante?
Planejamento sucessório é o processo de organização do patrimônio de uma pessoa para a transferência eficiente e harmoniosa de bens após seu falecimento. É importante para evitar disputas entre herdeiros, otimizar custos tributários e garantir que as últimas vontades do falecido sejam respeitadas.
Qual é a principal diferença entre testamento e doação?
O testamento é um documento que expressa a vontade do falecido sobre a destinação de seus bens após a morte, enquanto a transmissão do patrimônio por doação pode ser feita em vida.
Quais são as principais vantagens de incluir um testamento no planejamento sucessório?
As principais vantagens de incluir um testamento no planejamento sucessório são: prevenção de conflitos familiares (o testamento permite que a vontade do testador seja clara e respeitada, evitando disputas entre os herdeiros); organização do patrimônio (facilita a definição de como os bens serão divididos e para quem serão destinados); proteção patrimonial (É possível incluir cláusulas como incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade, protegendo o patrimônio em situações específicas); flexibilidade (o testador pode destinar parte dos bens a pessoas que não são herdeiros necessários, respeitando a legítima); imposição de elementos acessórios (o testador pode impor termos, encargos ou condições para o recebimento da herança).
O que é a doação em vida e como ela se encaixa no planejamento sucessório?
A doação em vida é um ato jurídico pelo qual uma pessoa transfere bens ou direitos a outra. No planejamento sucessório, serve para “antecipar” a partilha de bens, garantindo uma transição patrimonial suave e de acordo com as vontades do doador.
Quais são as vantagens de fazer uma doação em vida?
As principais vantagens incluem o controle e uso continuado dos bens pelo doador quando há a reserva de usufruto, a flexibilidade legal que permite ajustes na distribuição do patrimônio, economia em despesas de partilha e planejamento fiscal eficiente, distribuindo os custos ao longo do tempo.
O que é usufruto vitalício e como ele se relaciona com a doação?
Usufruto vitalício é o direito de usar e aproveitar um bem sem ser o proprietário dele. Na doação, o doador pode reservar para si o direito de usufruto vitalício, continuando a usar o bem enquanto vivo, transferindo apenas a propriedade para o donatário.
Quais são as partes do patrimônio no planejamento sucessório?
O patrimônio é dividido em duas partes: a disponível, que o titular pode distribuir livremente, e a indisponível ou legítima, que é de direito dos herdeiros necessários e deve ser respeitada em qualquer circunstância.
O que acontece se a doação em vida desrespeitar a parte legítima dos herdeiros?
Se a doação exceder a parte disponível do patrimônio, ela é considerada parcialmente nula. A correção ocorre durante o processo de colação para igualar a legítima dos herdeiros necessários.